sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O QUE FAZ CORRER OS COPianos ?


Aproveito esta ocasião para pedir, com o maior empenho, a V. Ex.ª sr. Ministro, uma providência que reputo fundamental: um inquérito às condições de desenvolvimento físico da nossa juventude. Parece que não faltam indícios de que não são as melhores.
Senhor Ministro, conhece V. Ex.ª o verdadeiro estado da educação física e dos nossos desportos – o número insignificante de praticantes do desporto particular e os cuidados de que precisa a educação física escolar. O que mais aflige o Comité Olímpico não é, propriamente, a dificuldade de se colherem os loiros olímpicos, mas a falta de um impulso sério e convicto a favor da Escola: tempos livres para a prática obrigatória dos exercício, provas de aproveitamento em certos escalões, melhoria de instalações, aumento de quadro do pessoal do ensino,

                                                                                 Nobre Guedes (1893-1969)
                                                                                    Pres. do COP (1957-1968)


Pedidos, lamúrias, queixas, e ranger de dentes deste teor, leio, ouço e vejo desde a adolescência. Portanto, uma vez mais Vicente Moura é o porta-voz do CIO, e o CIO é um organizador de espectáculos à escala mundial quadrienal.

Traduzido em português seco e directo, o CIO deseja muitos atletas fora de série para encher os palcos, e aumentar a bilheteira, pelo que tem todos as embaixadas com a designação de Comités Nacionais Olímpicos. O sonho de Coubertin de levar a prática desportiva à juventude, sob o falso chapéu do amadorismo, transformou-se em pesadelo, e a teoria do caos, a imprevisibilidade, veio à tona de água. Como ?

Quando o desporto despontou, muitos jovens jogavam e não havia assistência. Depois, com a visibilidade de fenómenos fora de série, inverteu-se o sistema: poucos jovens jogavam e a assistência aumentou. Aumentando a assistência, aumentou a capacidade dos estádios. Metaforicamente cavalo passou do passo para o trote, e do trote para o galope. E, quem diz aumento da capacidade dos estádios, está a induzir mais bilheteiras, mais dinheiro, mais lucro.

A partir daqui os JO deixaram de ser Desporto, para se transformar num Espectáculo Desportivo Quadrienal. Deixou de ser o Desporto de Muitos (sem assistência, mas muita gente a praticar) para passar a ser o Desporto de Alguns (muita assistência, mas pouca gente a praticar).

 É assim que os valores tradicionais, como atributos do desporto, se transformaram em máquinas de incentivos financeiros, o que seria contrário aos ideais olímpicos. E na verdade era contrário aos ideais olímpicos apenas para os atletas que teriam de ser amadores e não profissionais; mas já não era contrário aos ideias olímpicos para o CIO que enchia os cofres à custa de amadores.

A propaganda agressiva desencadeada pelo CIO para manter o amadorismo entre os atletas olímpicos era uma forma de evitar a compensação monetária dos atletas, arrecadando a totalidade do produto resultante dos Jogos Olímpicos.

Os atletas olímpicos começaram a ver que entrava muito dinheiro para as elites do CIO, e tudo à custa do esforço exigido nos treinos. Então o CIO autorizou, muito contrariado, que as federações oferecessem o “prize money”, para compensar os atletas das despesas de preparação. O CIO ficava à margem, limitando-se a conceder esse favor.

Este golpe do CIO alterou todo o sistema desportivo mundial, arrastando as Federações Internacionais, e consequentemente as federações nacionais, a aceitar as regras iníquas do amadorismo. Porquê iníquas ?

Coubertin seguiu a linha inglesa concebida para o significado de amadores que eram os homens da classes média e alta, responsáveis pela organização e codificação do desporto. Uma das medidas foi a de segregar os da classe baixa pela imposição de um amadorismo rígido. Sociologicamente o amadorismo  aplicava-se apenas às classes superiores, enquanto o profissionalismo abarcava as classes baixas, urbanas e operárias.

Fotografia dos atletas amadores, ora membros do CIO, em regime de benevolato, 
presentes nos primeiros Jogos de Atenas.
Sentados da esq. para a dir.: o Barão P. de Coubertin, secretário (França): D. Vikelas, presidente do CIO (Grécia); o General A. de Boutovsky (Rússia).
De pé da esq. para a dir.: Sr. W. Gebbardt (Alemanha); Jiri Guth-Jarkosky (Checoslováquia); François  Kemany (Hungria); o General Viktor Balek (Suécia)
Fonte: Otto Mayer, À travers les anneaux olympiques
ed. PierreCailler, Genève, 1960

Dito de uma forma clara, expedita e directa, o desporto só seria praticado pelos amadores das camadas superiores dado usarem diariamente as suas etiquetas de fair play, modéstia na vitória e dignidade na derrota. Jane Austen, a autora de “Orgulho e preconceito” apresenta este delicioso diálogo entre dois personagens, à passagem de um aristocrata a cavalo:

- Quem é aquele homem ?
- É o Darcy…
- E o que é que ele faz ?
- Nada.
- Ah! Então é um gentleman…

Portanto, o amador é o que não faz nada, o que não trabalha, o que vive dos rendimentos, o gentleman, e tem tempo para a prática desportiva. Ora esta concepção não cabia no carácter do profissional que era primitivo, perigoso, aberto à fraude, ao suborno, à corrupção.

O que traduzido significava que os dignitários não se juntavam à classe dos trabalhadores manuais e braçais, porque tinham uma profissão, logo, eram profissionais. Mas não do desporto

Estas filosofias para uso de determinada classe social, abriu brechas nas Federações Internacionais porque se desentendiam sobre os malabarismos da semântica, e os atletas começaram a reclamar, nos Campeonatos Mundiais e Internacionais qualquer coisa mais do que simples medalhas. O tempo dedicado ao treino e o esforço desgastante mereciam algo mais do que encher os cofres das Federações. A Associação Internacional de Representantes de Atletas enfrentou a IAAF para abrir a bolsa ou os atletas deixavam de participar, colocando a IAAF numa posição delicada perante o CIO.

A campeã olímpica argelina dos 1500 metros, Hassiba Boulmerka, disse aos organizadores do Edinburgh’s Princess Street Mile que, ou pagavam mais ou não participava, e saiu. O CIO perguntou a um tenista, pela vida de ostentação que levava, onde ganhava tanto dinheiro, levando como resposta: “A jogar às cartas com o meu treinador, e ele perde sempre”. Mas os exemplos não se esgotam aqui. Nos países do leste os atletas eram convocados para o serviço militar, para poderem treinar o tempo todo, e batotas deste jaez foram proporcionadas pelo CIO. Um cavaleiro sueco, sargento do exército, foi promovido a oficial para poder participar, porque sargento, na concepção olímpica, era profissional, enquanto um oficial era amador.

O CIO avisou que as Federações Internacionais podem fazer as regras que entenderem sobre esta situação, com a certeza de que não seriam aceites pelo próprio CIO, ponderando que se corre o risco de pôr em perigo a universalidade.

Mas a culpa maior cabe ao orgulho dos países que participam nos Jogos Olímpicos porque consideram o evento como uma competição pela pátria, o que constituía para o CIO a garantia de que os Jogos são para durar.

Portanto, os países que não tenham mais nada que fazer, devem trabalhar afanosamente para encher os cofres do CIO, e a juventude que espere pelo dia em que os governos se preocupem  mais com os jovens do que com as medalhas olímpicas.

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